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Arket Café – a cozinha engajada do chef Martin Berg aterriza em Paris

Receitas vegetarianas, sabores escandinavos e uma especial atenção ao café

Pode soar estranho mas um dos melhores lugares para tomar um bom café no Marais não fica em uma varanda descolada do icônico bairro parisiense. Um dos mais bem tirados cafés que tomamos nos últimos meses se encontra na loja de roupas Arket, no 13 rue des Archives.

Recém chegada a Paris, a marca sueca criada em 2017, abriu sua primeira loja em um espaço de 400m² no coração do Marais. São dois andares divididos em moda masculina, feminina, um pequeno canto infantil, bem como um canto dedicado à decoração. No andar térreo da loja, com acesso para um belo terraço que certamente fará sucesso nos dias quentes, encontra-se o café Arket, um café-restaurante com menu vegetariano onde podem ser degustadas as criações do chef Martin Berg e sua equipe.  

O menu do café Arket é inspirado nos ingredientes e sabores escandinavos, faz uso de muitas especiarias e tem também influências asiáticas e do oriente médio com adaptações nos 29 cafés espalhados pelo mundo. O chef também procura criar algumas receitas com ingredientes locais e disponíveis conforme a estação de cada país, como o excelente folhado de queijo azul, cebolas confitadas e amêndoas – receita desenvolvida especialmente para o café de Paris. Boa parte das pâtisseries, sanduíches e base de saladas são os mesmos em todas as unidades da marca, criando assim uma boa regularidade e fidelidade à identidade nórdica. 

Fonte: Arket.com

Foi no delicioso terraço do café Arket de Paris que o chef Martin Berg concedeu esta entrevista exclusiva para o Gastronomos. 

Chef Martin Berg

Gastronomos: Martin, obrigado por nos receber. Pode nos falar um pouco sobre as principais características da cozinha sueca ou nórdica e como ela está presente no Arket?

Martin Berg:  Sim, quando falamos do café e do que fazemos, nos referimos a um novo manifesto gastronômico nórdico. E isso foi na verdade algo que foi criado a partir de um grupo de bons chefes de cozinha e também de um chefe com quem trabalhei antes. Estivemos juntos durante 15 anos na região nórdica. Em 2003/2004  víamos o que todos os outros faziam, que era importar a cozinha da França para a Suécia. É realmente bom, mas também temos produtos super bons na Suécia. Estávamos mais preocupados em cozinhar com coisas de algum outro lugar do que com o que tínhamos. 

Para sermos sustentáveis precisamos valorizar onde vivemos e cozinhamos. Nos conectar com às escolas, trabalhar com melhores produtos alimentares, trabalhar mais com cientistas, ouvi-los e agir em conformidade com os pequenos e grandes produtores de alimentos para gerar um impacto sustentável também nesse nível.

Muitas vezes estas ações começam nos restaurantes gastronômicos, aqueles super criativos, quase sem limites. Mas que na verdade recebem poucos clientes por noite por serem muito caros e por isso pouco acessíveis. Logo, começamos a pensar, o que podemos fazer em relação a isso? 

Precisamos preservar técnicas e ingredientes clássicos e antigos, mas não ter medo e ter mente aberta para novas,  favorecer o bem-estar animal, produzir e pensar em novas maneiras de apresentar vegetais… Assim, penso que o que fazemos com o Arket é uma nova comida nórdica para o cotidiano das pessoas. 

Gastronomos: Pode nos contar um pouco sobre o que era a cozinha nórdica de antes e o que é agora?

Martin Berg:  Acho que é tudo bastante novo, por assim dizer.

Temos ingredientes do mar, das florestas, muitas raízes e assim por diante. Mas também porque faz muito frio no inverno, trabalhamos muito com as conservas. Por isso, se pesca muito quando se pode fazer isso, depois a pesca é salgada, curada e guardada. Esse processo também é adotado com as carnes secas e assim por diante. Essa é a comida mais tradicional, mas mesmo já não sendo uma necessidade nos dias de hoje, estas técnicas de conservação ainda estão muito presentes na nossa cultura, inclusive para dar sabor à nossa comida. E também como nos restaurantes mais requintados, há sempre algo defumado, salgado ou curado, porém feito de uma forma mais moderna. 

A dieta nórdica é também muito baseada em grãos. No passado comíamos uma espécie de mingau todos os dias no café da manhã, almoço e jantar. No banquete de Natal abatíamos um porco, comíamos bem durante as festas e depois voltávamos a comer o mingau. 

Hoje é diferente. A sociedade e a economia se desenvolveram de diversas maneiras, mas é interessante observar como essas coisas acabam voltando para os dias atuais. 

E isso é algo que também queremos promover, como os grãos… uma forma de herança nossa. Voltar a usar um monte de legumes esquecidos e cultivar antigas leguminosas que fazem parte da nossa herança. Esse tipo de agricultura que gostamos de trazer à tona e de falar sobre elas.  

Foto: Gastronomos

Gastronomos: E o que você diria que há de diferente no Arket em relação aos outros cafés vegetarianos em Paris? 

Martin Berg: Nos concentramos em fazer receitas vegetarianas e veganas. Na verdade, agora o menu tem sido mais vegetal, com pratos totalmente veganos. 

Há uma mudança, uma mudança na quantidade de proteínas que ingerimos que precisa ser feita. Acredito que precisamos comer mais vegetais e menos carne, ainda se come muita carne no mundo. Não é que sejamos contra a carne. Queremos apenas poder deixar as pessoas mais abertas para uma cozinha vegetariana. É por isso que também estamos trazendo uma cozinha vegetariana, para inspirar as pessoas a fazer boas escolhas. Queremos que iniciem hábitos mais conscientes. 

Estamos presentes na Coréia, China e Reino Unido e nos adaptamos a cada cozinha. Mas também queremos manter a integridade do que fazemos, pois quando falamos sobre o que fazemos e como pensamos, queremos provocar nas pessoas uma reação “Uau“.
Penso que é muito legal relacionar uma gastronomia como a nossa, a uma marca de moda que fala de sustentabilidade. Principalmente para um cliente que não está lá pela comida, mas de qualquer forma, ficará exposto a uma comida sustentável e moderna. 

Gastronomos: O café ARKET é vegetariano, você acha que no futuro poderá ser totalmente plant based? Isso está em seus planos?

Foto: Gastronomos
Fonte: Arket.com

Martin Berg: Não está nos planos por enquanto…mas falamos sobre isso. Isto é, estabelecer um roteiro sustentável e seguir em frente. Queremos influenciar as pessoas a comerem mais legumes e verduras. E talvez, ao adicionar um pouco de queijo de cabra por cima, vão pensar: “Oh, isso é muito bom”. Quando abrimos, nosso menu era 10% vegano,  agora é 80%. Então, estamos nos movimentando lentamente.

E também estamos promovendo os leites vegetais como a primeira opção para o café. Mas você também precisa respeitar a cultura de onde você está,  porque senão você não vende ou exclui pessoas. É melhor fazer de uma maneira tranquila para que as pessoas consigam mudar ao longo do caminho. 

Acredito que há uma espécie de barreira na mente de algumas pessoas que as fazem acreditar que a comida vegana não seja boa e cabe também aos chefs assumir a responsabilidade e aprender a cozinhar este tipo de comida. 

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Fonte: Kian Zubicky

Gastronomos: E quais são os insumos que você traz da Suécia? E o que compra localmente?

Martin Berg: Todos os legumes nós compramos localmente, os queijos e ingredientes frescos também. Mas uma das minhas ideias neste café é de criar um conceito para desafiar a indústria alimentícia, que costuma usar em seus produtos ingredientes super baratos. E por que não fazer isso com ingredientes realmente bons? Por exemplo, comprando de uma boa fazenda? Por isso decidi criar nossas próprias padarias e produzir tudo internamente. Criamos as receitas em nossa padaria central e de lá enviamos algumas bases para os locais onde operamos. Assim, essas bases são elaboradas com produtos de qualidade e com grãos nórdicos, manteiga nórdica e assim por diante.

A razão para isso também é, como eu disse, desafiar as empresas alimentícias e mostrar que é possível fazer coisas boas de forma inteligente, sobretudo com bons ingredientes que também são bons para o meio ambiente.

Por exemplo: Fazemos um bolo de cenoura com muitas especiarias. A massa desse bolo é uma massa base que desenvolvemos na Suécia com muitos grãos e pouco açúcar. Então congelamos esta massa e enviamos para os cafés onde são descongeladas porções adequadas para o volume e operação de cada café. Assim, temos a mesma base, mas cada café pode ser criativo em adaptar e finalizar as receitas localmente. Neste momento o bolo é um bolo de cenoura com cardamomo, gengibre, canela e sementes de abóbora, e na primavera deve mudar o sabor para um bolo de laranja, por exemplo. Podemos trabalhar com outros sabores, baseados em cada estação do ano, mas com a mesma base.

Vale lembrar que nós não enviamos estes pães e pâtisseries para os nossos cafés da Ásia. Na Coreia, temos uma padaria local. Na verdade uma amiga minha de São Francisco que tinha uma boa padaria, expandiu para Los Angeles e de lá abriu outras sedes na Coreia. Então são eles que produzem estes itens para nós lá. 

Gastronomos: Conte-nos como foi que você decidiu se tornar um chef?

Fonte: Kian Zubicky

Martin Berg: Em minha família a comida sempre esteve muito presente. Quando eu era criança, comíamos juntos todas as refeições, do café da manhã ao jantar. Minha avó era padeira e dona de padaria, mas isso foi antes de eu nascer. De toda forma, isso fez parte da família. Meus pais também gostavam muito de cozinhar e em nossa casa não havia diferença entre a comida das crianças e a comida dos adultos. Todos comiam a comida que era preparada para todos. Eu também cresci no campo. Meus outros avós tinham uma fazenda, então a comida vinha da floresta até o prato. 

Mas o ponto de virada foi quando eu tinha 14 anos e fiz o primeiro estágio para ver como seria trabalhar em um escritório. Eles fazem isso nas escolas para te dar alguma ideia do que fazer no futuro. Eu fui parar no departamento de correios de uma empresa separando, rastreando, organizando e distribuindo envelopes… Fiz isso durante duas semanas e decidi que nunca mais iria trabalhar com nada disso (risos).

Nas duas semanas seguintes, fui fazer um segundo estágio. Cheguei a uma pequena padaria familiar e ainda me lembro exatamente o que aconteceu porque, ao entrar nela, eu abri a porta e um cachorro enorme sentado ali com uma coleira olhou para mim e veio correndo alegremente na minha direção. Na minha casa nós tínhamos muitos gatos, cachorros, cavalo,  então, naquele momento eu me senti ainda melhor de estar ali e achei tudo muito acolhedor, muito aconchegante. Então, o marido e a esposa, que eram os donos da padaria, vieram cobertos de farinha e disseram: “Olá! Você é o Martin? Seja bem-vindo!  Você estará aqui por duas semanas.” E eles foram muito humildes, me acolheram e logo me colocaram para trabalhar. Então comecei a preparar coisas com as minhas próprias mãos e colocá-las para assar. Depois vender e ver a reação das pessoas gostando de comer e dizendo “Oh! Isto é muito bom!”. Ver uma reação imediata do trabalho que você faz é como se fosse um feedback instantâneo! Então eu disse: É isso que quero fazer!

Assim, com 15 anos fui para a escola de culinária. A formação era de apenas dois anos, então, me formei aos 17 e logo comecei a trabalhar. Eu me mudei do interior da Suécia para Estocolmo. 

Para mim o trabalho de chef, o trabalho na cozinha é muito parecido com o de tocar em uma banda. Eu sou baterista (também já toquei trompete e guitarra) e é fundamental que o grupo esteja unido. Eu sempre pensei muito nisso, quando me tornei um sous chef ainda era muito jovem, mas também depois, quando me tornei chef de cozinha. Você faz um show ao meio dia e depois faz outro às sete da noite. E o grupo precisa estar unido, cada um fazendo a sua parte para garantir uma boa apresentação. E então amanhã começa tudo de novo e fazemos um novo show. É como uma apresentação contínua e você é constantemente julgado por sua última apresentação. 

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Gastronomos: E suas convicções ligadas à alimentação saudável, durável e sustentável, quando elas surgiram e como vieram à tona? 

Martin Berg: Desde de pequeno, da maneira como cresci, aprendi a lidar com os alimentos em casa e a não jogar nada fora. Uma questão recorrente era: O que faremos com as sobras amanhã? Poderia ser algo novo ou apenas fazer um arroz frito. Além disso, aprendemos como transformar uma porção em quatro porções. Esse tipo de coisas me foi ensinada desde a infância. 

Com o tempo você fica mais sábio e mais esperto, e aprende a como usá-las em uma escala mais ampla. E quando você vê o que está acontecendo com o clima, eu acho que você também precisa assumir uma responsabilidade como indivíduo. No meu caso, o pensamento foi: No que eu sou bom? Sou bom na cozinha. Como posso usar minha cozinha para fazer parte disso, para causar um impacto e promover uma mudança? 

Gastronomos: Agora você tem um café, mas você gostaria de explorar outras coisas na sua cozinha, como por exemplo abrir um restaurante gastronômico no futuro, de volta a ideia do Michelin?

Martin Berg: É importante você fazer o que gosta. Pois isso pode tornar você bom, muito bom. Vejo muitas pessoas que gostam de focar nas estrelas Michelin e às vezes isso pode ser muito destrutivo para elas, pois a pressão é enorme. Eu já estive lá, eu já fiz isso. Não é nada que eu queira fazer hoje. Eu quero servir boa comida às pessoas. Agora nos concentramos nisso e não sabemos também o que podemos fazer com o ARKET no futuro. 

Pode ser um pequeno bar expresso em um só lugar, um restaurante gastronômico em um centro gastronômico em outro lugar… não sabemos como isso vai decolar. Mas é interessante esta fase em que estamos, onde temos cafés em todas as nossas lojas ao redor do mundo. 

Criamos algo com a loja. Isso estimula outros sentidos. No espaço você encontra roupas bonitas, pessoas legais e de repente sente um cheiro de como se alguém estivesse cozinhando algo, ouve o moedor de café, sente o aroma do café e pensa: “Hmm, isso é reconfortante”. E esse conceito está muito bem integrado. Você faz uma pausa para o café se quiser, ou talvez, na próxima vez que voltar à loja saberá que lá poderá encontrar um bom café e boa comida também.

 

Fonte: Kian Zubicky
Foto: Gastronomos

Gastronomos: Chef, há algo novo na gastronomia, algo que te impressione ou alguma tendência, ingrediente que você gosta de usar? 

Martin Berg: O que eu acho interessante é que as pessoas estão cozinhando cada vez mais vegetais, compreendendo cada vez mais que não é preciso ser vegetariano para comer comida vegetariana. 

Além disso, há também muitas coisas interessantes no setor da tecnologia de alimentos. Os chefs precisam ver o que é e como eles devem trabalhar com a tecnologia para aprender coisas novas. Eu acho que talvez algumas pessoas ainda não tenham uma mente aberta para isso. Frequentemente sou convidado para reuniões da indústria de alimentos para dar o ponto de vista de um chef e um ponto de vista criativo e vejo que algumas pessoas podem ser muito boas e têm boa técnica para fazer algo super sustentável, mas o produto pode precisar ser melhor trabalhado para que fique realmente bom. É importante que os produtos já sejam bons quando lançados ao mercado.

Livro de cozinha vendido no café Arket

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